Elevador 62
- Eh!!!! Alexandre faz o favor de te despachares, o 62 está por aí a rebentar e temos de chegar ao quarto nível para apanhar o teletransporte…
Rafael, do outro lado da rua, gritava a Alexandre na tentativa de o alcançar com a voz e fazê-lo, de uma vez por todas, enfiar o sekante dentro do bolso mas Alexandre não o ouviu, e quase foi atropelado pelo Audi AK9 que passava por ele naquele instante na tentativa desesperada de atingir o 6º nível da cidade.
Sem qualquer atraso, como era usual de Madalena, esta chegou e deu um longo beijo a Rafael, com quem namorava havia alguns meses e logo deitou um assobio ao melhor amigo de ambos, que ainda se debatia com o sekante. Por fim, Alex, como lhe chamavam familiarmente os amigos, lá conseguiu desarmar a engenhoca que enfiou no bolso, e, à pressa, tirou o iPad de dentro da mala para poder entrar no 62.
O 62 era o elevador da Carris, noutros tempos, contara-lhe a mãe, era um elevador comum, chamado «elétrico» que caminhava sobre uns carris, agora, vítima das evoluções da tecnologia, flutuava simplesmente pela cidade de Lisboa, que era agora constituída por sete níveis sobrepostos e construídos «no ar». O primeiro nível englobava as, ainda, estradas vulgares de outrora, um outrora de há apenas vinte anos, que se pensarmos bem não era assim tanto tempo, por onde circulavam os carros não flutuantes, as bicicletas e a população de mais idade que tendia a não se habituar às modas.
“Deixem-se disso, vamos lá! Não tarda já não conseguimos chegar ao quarto nível a tempo.” E virando-se instantaneamente para Rafael, Alexandre disparou que “Estou um bocado cansado de vocês os dois. Namorem depois, ainda temos de chegar ao Externato, de preferência hoje.»
“A culpa é tua, compra um sekante novo Alex, eu e a Madá até te oferecemos um novo nos anos, um Faster 500 ou um Fly 3000 só para não termos de esperar que o desarmes e metas no bolso.”
Rafael estava amuado, naquele 10 de Agosto, surpreendentemente, inacreditavelmente, torturantemente escaldante, o seu aniversário, Madalena não lhe dera os parabéns e parecia não se lembrar, para piorar as coisas Alex também não e ainda tinha de se deslocar à cidade, de dois níveis, de Arruda para terminar a sua matrícula no Externato Internacional de Artes, Literaturas e Culturas, onde iria passar o seu último ano de Secundário, antes de se inscrever no Nível Intermédio, como chamava o Ministério da Educação ao ensino que havia sido inserido entre o Secundário e o Interior.
“Então amor, já decidiste o que vais estudar no NI? Eu estou a pensar seguir Magia e Feitiçaria… Ou talvez musica. Ainda não sei muito bem, mas em princípio será uma dessas duas.”
“Não” respondeu Rafael a Madalena como que acordando de um sonho “não decidi” esclareceu muito vagamente.
“Oh Rafa o que é que se passa contigo? Não eras tu que estavas todo entusiasmado por ir de teletransporte para Arruda? Então porque é que estás assim? Não há razão para estares assim rapaz, não penses mais na morte da bezerra.” Madalena irrompeu em risos perante aquela saída tão descontraída de Alexandre.
Rafael ignorou-os e continuou a olhar como que adormecido para o vidro sem observar nada do que se passava no exterior do elevador.
Os arranha-céus que estavam muito longe de arranhar os céus iam ficando para trás, bem como a paisagem mais arcaica, ao longe avistava-se a antiga ponte Vasco da Gama que agora era uma plataforma de adaptação dos transportes. E ao lado da PVG avistava-se o Tokyo Bar onde os três amigos iam por diversas vezes, a maior parte das vezes, no seu skate de iões azuis ou «sekante» como os três amigos lhe chamavam…
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